ÍNDIA: UMA NOVA APOSTA ESTRATÉGICA PARA ANGOLA?

Angola tornou-se o epicentro de muitas relações internacionais. Fala-se da aproximação aos Estados Unidos, da recalibragem com a China, da história com a Rússia, do papel nos Grandes Lagos. No entanto, uma das relações que vai discretamente tendo mais importância, mas parece esquecida, ou precisa de ser descoberta, é a relação com a Índia.

Por Associação CEDESA (*)

Actualmente, a Índia é o terceiro maior parceiro comercial de Angola, partilhando cerca de 10% do comércio externo de Angola, principalmente devido à compra de petróleo bruto a granel. A balança comercial está a favor de Angola, sendo a Índia o 2º maior importador de petróleo de Angola, que representa 90% do comércio bilateral. A relação comercial é manifestamente impulsionada pela parceria petrolífera.

Manifestamente, desde 2021-22, o comércio bilateral Índia-Angola apresenta números crescentes, atingindo 3,2 mil milhões de dólares em 2021-22, com um grande aumento nas exportações indianas para Angola de 452 milhões de dólares (45 % de aumento na base anual). O comércio bilateral em 2022-23 atingiu 3,9 mil milhões de dólares (até Fevereiro de 2023), com as exportações indianas para Angola a registarem um novo máximo de 575 milhões de dólares.

Refira-se como termo de comparação que o valor das trocas comerciais de bens transaccionáveis (excluindo serviços) entre Portugal e Angola atinge um total 1149,3 milhões de € (M€) em exportações e 488,1 M€ em importações, na média do período 2019-2023.

Facilmente, se percebe que o valor das relações comerciais entre a Índia e Angola é três vezes superior à relação entre Angola e Portugal. A Índia é já um gigante na relação com Angola.

A comunidade indiana em Angola é composta por cerca de 4.000 pessoas, principalmente, estabelecidas em campos petrolíferos offshore ou trabalhadores em estabelecimentos de proprietários indianos, maioritariamente envolvidos em restauração, supermercados, comércio e outros serviços; em indústrias que lidam com plásticos, metal, aço, vestuário. No sector não petrolífero, estão a ser realizados vários projectos por empresas indianas nos sectores retalhista, hoteleiro, plásticos agrícolas, sucata metálica, aço, comércio e outros serviços.

O potencial da Índia em relação a Angola

Estabelecidos os fortes laços económicos existentes entre a Índia e Angola, convém assinalar o potencial indiano e as possibilidades que abre para Angola.

A Índia é dos países grandes do mundo, aquele que mais cresce, expandindo-se a uma taxa anual de 6-7%. Novos dados mostram que a confiança do sector privado está no seu nível mais elevado desde 2010. Sendo já a quinta maior economia, poderá ocupar o terceiro lugar em 2027, depois da América e da China. A influência da Índia está a manifestar-se de novas formas. As empresas americanas têm 1,5 milhões de funcionários na Índia, mais do que em qualquer outro país estrangeiro. O seu mercado de acções é o quarto mais valioso do mundo, enquanto o mercado da aviação ocupa o terceiro lugar. As compras de petróleo russo pela Índia movimentam os preços globais. O aumento da riqueza significa mais peso geopolítico. A Índia enviou dez navios de guerra para o Médio Oriente para conter os Houthis do Iémen.

Também há que notar a forte presença Índia no Golfo. Desde que Modi (o primeiro-ministro indiano) assumiu o cargo em 2014, a Índia transformou a sua relação com os estados do Golfo, passando de uma relação centrada na energia, no comércio e nos expatriados indianos, para um novo quadro que abrange relações políticas, investimento e cooperação em defesa e segurança. Além disso, a Índia tem um grande interesse na estabilidade do Golfo, dado que aproximadamente 8,8 milhões de cidadãos indianos residem na região.

Estes são os factos essenciais, que colocam um desafio estratégico para a diplomacia presidencial angolana.

Como é sabido e já fizemos referência em anteriores relatórios, a nova política externa de João Lourenço, encetada após 2017 assenta em vários vectores: aproximação aos Estados Unidos e à Europa em geral, novo relacionamento com os Estados do Golfo, recalibragem amistosa com a China, reposicionamento com a Rússia. Tudo isto tem sido levado a cabo. Agora será o tempo da Índia.

A Índia como prioridade estratégica para Angola

Atendendo ao crescimento económico e seu potencial da Índia, ao seu relacionamento com os Estados do Golfo, bem como ao seu posicionamento global como país amistoso com os Estados Unidos, mas mantendo uma soberania externa própria, que a leva entre outros a comprar petróleo à Rússia, torna-se relevante incluir a Índia nas prioridades estratégias de Angola.

A questão não é somente que a Índia é um mercado com manifesto potencial para o petróleo angolano, bem como para outras futuras exportações, como as ligadas ao sector agro-alimentar, ao mesmo tempo, que constitui fonte de inovação tecnológica para Angola. Embora, também tal aptidão económica da Índia seja importante e relevante na descoberta de novos mercados robustos para Angola.

Igualmente importante, é que a Índia pode ser um amparo para Angola nas relações com o Golfo, onde muitos indianos ocupam posições destacadas no sector financeiro, e em simultâneo, servir de esteio para as difíceis negociações com a China sobre a dívida, e, finalmente, servir de exemplo para os Estados Unidos de um país amigo, mas que segue a sua política externa própria.

Estes elementos, quer económicos, quer de nível das relações internacionais são suficientemente robustos para chamar a atenção da diplomacia presidencial angolana no sentido de criar um quadro comum de cooperação política e comercial intensa. Facilmente, se compreende que a Índia pode ser um excelente mercado de expansão para Angola, bem como um parceiro tecnológico, bem como pode ser complementar em relação a Angola em muitos aspectos políticos, quer a estabelecer pontes com os países do Golfo, quer a saber desenhar as fronteiras do equilíbrio nas relações com as grandes potências. Tal experiência deve ser assimilada por Angola.

Recorde-se que ao nível de chefes de executivo (presidentes da república e primeiros-ministros) o historial de relacionamento não é muito intenso. A primeira visita de um primeiro-ministro da Índia a Angola ocorreu em Maio de 1986, efectuada pelo primeiro-ministro Rajiv Gandhi, que foi retribuída pelo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos em abril de 1987. O PM Dr. Manmohan Singh encontrou-se com o Presidente José Santos à margem do G- 8 reunião em L’Aquila, Itália, em 10 de Julho de 2009. Em Outubro de 2015, o Vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente visitou a Índia para participar na Terceira Cimeira Índia-África. Finalmente, durante a sua visita a Joanesburgo para participar na Cimeira dos BRICS, o Presidente angolano João Lourenço encontrou-se com o Primeiro-Ministro Narendra Modi em 26 de Julho de 2018 e discutiu formas de melhorar o comércio e o investimento entre os dois países e também de aprofundar a cooperação em sectores como Energia, agricultura, processamento de alimentos e produtos farmacêuticos.

Não há, realmente, proximidade entre as diplomacias ao mais alto nível. Ora, será este padrão que tudo indicaria dever ser mudado para um novo patamar. Este é, possivelmente, o momento de criar uma forte ponte entre a Índia e Angola, baseada em aspectos políticos e económicos.

(*) ASSOCIAÇÃO CEDESA-CENTRO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL DE ÁFRICA

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